sábado, 29 de novembro de 2014

GENTE QUE FAZ A HISTÓRIA DE PORTEIRAS

UM MATUTO NA CIDADE

João Miranda, ou, apenas, Joãozinho de Netonho, traz na vida e na alma à sombra do matuto que, mesmo na cidade, não se esquece de suas raízes


Era década de 60 quando Joãozinho de Netonho descobriu, nas ondas sonoras de um rádio comprado pelo pai, um jeito poético de dar vida às suas raízes e fazer memória ao sopé da serra porteirense, berço que primeiro o embalou e que até hoje faz questão de lembrar. Nos “programas de cantoria e puisia”, achou inspiração para arriscar os primeiros versos de sua “poesia matuta”. A pouca escolaridade não o intimidou. 

De sua escrita floriu “Meu Pé de Serra” e “A História Mudou”. Depois, deu voz ao “Matuto na Cidade” e cor às “Coisas do Meu Sertão”, títulos que compõem sua produção literária.

Valendo-se de saudosismos, seu Joãozinho poetizou a imagem do matuto ao revestir de significado as palavras colhidas na natureza do sopé da serra de Porteiras, e priorizar a saudade como a mais autêntica expressão da alma humana.

Uma vez, quando convidado a participar de um programa de rádio, o “poeta matuto” descreveu suas impressões ao chegar à emissora. “E quando eu fui chegando lá que mandaro eu me sentá na cadeira, a pobe das minhas perna deu logo uma tremedêra, o meu coração batia que até parecia qui eu subindo uma ladêra.”

Apesar de ressabiado, a experiência foi tão exitosa que ele acrescentou, depois: “quando eu acabei de dizê aquele meu palavriado, qui eu achei qui os povo parece qui tinha gostado, aí eu tive um prazê, quando vi o locutô dizê: eita negoço bom danado!”.

Os versos acima compõem o poema “O poeta matuto na rádio”, que seu Joãozinho fez questão de declamar, ao recordar quando seus escritos cruzaram o estado e foram divulgados na rádio Sociedade, da Bahia. As rádios da região já não comportavam a magnitude de suas palavras, ainda que simples, ainda que leves e despretensiosas.

Mas seu ofício mudou de rumo. Da poesia matuta, passou a emprestar suas palavras como expressão do servir a Deus, ao assumir o trabalho de ministro da Eucaristia, na Igreja Matriz da cidade. Mesmo assim, sua fala ainda carrega traços da memória do matuto que não se desapega facilmente de suas raízes. A expressão que formava em seu rosto, quando falava sobre o início de sua trajetória pelas linhas da escrita, por si só deixava transparecer a afeição pelo “Pé-de-Serra das Porteira”.

“É, eu também já fui matuto,
Matuto do pé rachado.
Me criei num pé-de-serra,
Era um matuto chamado,
Hoje moro na cidade,
Já sei fazer o matutado.

Eu já sou até pueta,
Já sei fazer puisia,
Já falei até na rádio,
Quem acreditava que eu ia?
Já escrevi até um livro,
Pra mim é uma alegria

Sou um poeta matuto,
Minha posição reconheço [...]”

Trecho do cordel “O Matuto na Cidade”


                                                                    Patrícia Mirelly – Repórter Especial

4 comentários:

  1. SOU SUSPEITO PRA COMENTAR, ENTÃO SÓ TENHO QUE AGRADECER AO BLOG PELA INICIATIVA E PELA BELA HOMENAGEM AO MEU PAI.

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  2. Parabéns Patrícia! Seu Joãozinho merece o nosso reconhecimento pela pessoa e o grande artista que é.

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  3. sou filha dessa terra, amo minha origem e trago sempre comigo as lembranças de minha gente. viva o nordeste !!

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  4. S|ou filha dessa terra,nordestina com orgulho dessa raça que luta,que ama suas histórias e dar valor em seus sonhos.

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