UM
MATUTO NA CIDADE
João
Miranda, ou, apenas, Joãozinho de Netonho, traz na vida e na alma à sombra do
matuto que, mesmo na cidade, não se esquece de suas raízes
Era década de 60 quando
Joãozinho de Netonho descobriu, nas ondas sonoras de um rádio comprado pelo
pai, um jeito poético de dar vida às suas raízes e fazer memória ao sopé da
serra porteirense, berço que primeiro o embalou e que até hoje faz questão de
lembrar. Nos “programas de cantoria e puisia”, achou inspiração para arriscar
os primeiros versos de sua “poesia matuta”. A pouca escolaridade não o
intimidou.
De sua escrita floriu “Meu Pé de Serra” e “A História Mudou”.
Depois, deu voz ao “Matuto na Cidade” e cor às “Coisas do Meu Sertão”, títulos que
compõem sua produção literária.
Valendo-se de saudosismos, seu Joãozinho poetizou a
imagem do matuto ao revestir de significado as palavras colhidas na natureza do
sopé da serra de Porteiras, e priorizar a saudade como a mais autêntica
expressão da alma humana.
Uma vez, quando convidado a participar de um
programa de rádio, o “poeta matuto” descreveu suas impressões ao chegar à
emissora. “E quando eu fui chegando lá que mandaro eu me sentá na cadeira, a
pobe das minhas perna deu logo uma tremedêra, o meu coração batia que até
parecia qui eu subindo uma ladêra.”
Apesar de ressabiado, a
experiência foi tão exitosa que ele acrescentou, depois: “quando eu acabei de
dizê aquele meu palavriado, qui eu achei qui os povo parece qui tinha gostado,
aí eu tive um prazê, quando vi o locutô dizê: eita negoço bom danado!”.
Os versos acima compõem
o poema “O poeta matuto na rádio”, que seu Joãozinho fez questão de declamar,
ao recordar quando seus escritos cruzaram o estado e foram divulgados na rádio
Sociedade, da Bahia. As rádios da região já não comportavam a magnitude de suas
palavras, ainda que simples, ainda que leves e despretensiosas.
Mas seu ofício mudou de
rumo. Da poesia matuta, passou a emprestar suas palavras como expressão do
servir a Deus, ao assumir o trabalho de ministro da Eucaristia, na Igreja
Matriz da cidade. Mesmo assim, sua fala ainda carrega traços da memória do
matuto que não se desapega facilmente de suas raízes. A expressão que formava
em seu rosto, quando falava sobre o início de sua trajetória pelas linhas da
escrita, por si só deixava transparecer a afeição pelo “Pé-de-Serra das
Porteira”.
“É, eu também já fui matuto,
Matuto do pé rachado.
Me criei num pé-de-serra,
Era um matuto chamado,
Hoje moro na cidade,
Já sei fazer o matutado.
Eu já sou até pueta,
Já sei fazer puisia,
Já falei até na rádio,
Quem acreditava que eu ia?
Já escrevi até um livro,
Pra mim é uma alegria
Sou um poeta matuto,
Minha posição reconheço [...]”
Trecho do cordel “O Matuto na Cidade”
Patrícia
Mirelly – Repórter Especial